UMA ENTREGA DE
CORPO E ALMA Ela fala sobre tradição e traição. Desfia parábolas judaicas para definir estes dois impulsos: o da perpetuação e o da ruptura. E conclui que, por mais paradoxais que possam ser, estão interligados. Ela fala sobre Abrão e outros patriarcas, cita histórias de rabinos e cumpre boa parte da narrativa, que dura cinqüenta minutos, nua. Ela é Clarice Niskier, atriz carioca de 47 anos que experimenta com o monólogo A Alma Imoral a felicidade de lotar, a cada sessão, as 420 poltronas do Teatro Leblon, onde está em cartaz às terças e quartas. A peça, extraída do livro homônimo do rabino Nilton Bonder e com supervisão de Amir Haddad, estreou em agosto no Espaço Sesc. Em outubro, mudou-se para o teatro da Rua Conde Bernadote para uma temporada de um mês. Teve estada prorrogada até dezembro e acaba de ser convidada a permanecer até março de 2007. Clarice não tinha a menor idéia de que ia dar tão certo. "É claro que não se monta uma peça para dar errado. Mas eu já tinha a experiência de Buda (monólogo anterior). Não aconteceu como eu imaginava. Aprendi. Fui fazer este sem expectativas", conta. Buda tem tudo a ver com A Alma Imoral. Foi
em uma entrevista em um programa de TV, para divulgar Buda, que Clarice
encontrou o rabino Nilton Bonder, que estava lançando o livro A
Alma Imoral. A dada altura, a entrevistadora perguntou à atriz
se tinha religião. Ela respondeu que sua ascendência era
judaica, mas que o teatro a havia levado ao budismo. Era uma judia budista.
Foi então que chegou uma mensagem indignada. Dona Léa, uma
telespectadora, dizia que isso não existia. Ou Clarice era judia
ou era budista. O rabino, então, socorreu a atriz. Disse que talvez
o budismo a aproximasse do judaísmo. De quebra, deu a ela seu livro.
Clarice leu-o e o resto está no palco. A Alma Imoral toca as pessoas porque é
feita com imensa entrega. É a verdade de Clarice que faz com que
o público a aplauda incansavelmente e saia do teatro às
lágrimas. O rabino concorda. "O impacto que o espetáculo
causa está na maneira como Clarice diz o texto. No seu envolvimento
emocional", diz Nilton Bonder, que não se incomoda com a nudez
da atriz. "Era importante que a nudez não fosse o objeto do
olhar de todos. E Clarice conseguiu. Ela reflete a ousadia do texto, cenicamente,
com a nudez. E todos entendem", diz ele e completa: "Nunca ouvi
um comentário sobre isso". Nem Clarice. E olha que não
raro ela termina as noites em conversas filosóficas com um ou outro
da platéia, no lounge da vizinha livraria Da Conde. |